segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Porquê relacionar a criatividade com as cidades?

Historicamente as cidades sempre necessitaram da criatividade para funcionarem como mercados, locais de troca e centros de produção, com a sua massa crítica de empreendedores, artistas e intelectuais, estudantes, administradores e correctores. As cidades foram essencialmente os locais onde diferentes raças e culturas se misturaram permitindo com a sua interacção criar novas ideias, artefactos e instituições, ao mesmo tempo que permitiram às pessoas o espaço para que vivessem as suas ideias, necessidades, aspirações, sonhos, projectos, conflitos, memórias, ansiedades, amores, obsessões e medos.
Existem, no entanto, razões especiais para se pensar nos problemas actuais de uma cidade em termos criativos. Hoje, muitas das cidades do mundo enfrentam difíceis períodos de transição. As velhas industrias estão a desaparecer, o que implica que menos advém daquilo que manufacturamos e mais advém das aplicações de novos conhecimentos em produtos, processos e serviços. Os factores que antes moldavam o desenvolvimento das cidades – transportes, rios, proximidade de matérias-primas – tornaram-se menos relevantes. Ao mesmo tempo, um novo grupo de problemas tem surgido, em parte como o resultado da decadência dos antigos ritmos partilhados de vida e trabalho. Assim sendo, as alterações que surgiram nas últimas décadas e que alteraram a realidade social, tornando-a cada vez mais complexa, forçando-a, por exemplo, a lidar com problemas relacionados com ambiente, a saúde, a pobreza e a exclusão social, o crime e a insegurança, o acompanhamento do processo de globalização e da partilha de informação, que é cada vez mais rápida, necessitam de novas formas de perspectivar os problemas e de novas formas de os resolver. Num período de transição surge a necessidade de ir mais além das assunções herdadas.
Face ao exposto, podemos afirmar que a criatividade é central no pensamento das cidades neste século. Da mesma forma que as indústrias dos séculos dezanove e vinte dependiam de matérias-primas, ciência e tecnologia, as indústrias do século vinte e um dependem da formação de conhecimento através da criatividade e inovação, combinados com rigorosos sistemas de controlo. Isto tanto é verdade para empresários, negociantes envolvidos nas trocas de produtos como é para os produtores de programas de televisão, programadores de software ou mesmo empresários de teatro. Atingir o sucesso em todas estas áreas requer criatividade, interdisciplinaridade, pensamento holístico – qualidades que dependem de uma cidade que subtilmente os promova. No jogo da competição inter-urbana, ser uma base para firmas e instituições de conhecimento intensivo, como universidades, centros de investigação ou indústrias culturais, adquiriu uma nova importância estratégica. A competição futura entre nações, cidades e empresas tende a ser cada vez menos estabelecida nos recursos naturais, localização ou na reputação do passado e mais na capacidade de desenvolver imagens e símbolos atractivos e na capacidade de os projectar de uma forma efectiva. De facto, o processo de renovação urbana pode tornar-se num espectáculo, a estética veio substituir a ética no planeamento urbano contemporâneo (David Harvey, 1990)[1].
Não é surpreendente, portanto, que muitas das velhas maneiras de pensar sobre as cidades não tenham acompanhado a velocidade das mudanças. Mas a tarefa não é simplesmente substituir um conjunto de paradigmas simples por outro. Precisamos, pelo contrário, de complementar as formas de pensar que existem com novas formas de raciocínio e métodos adicionais para acompanhar e lidar com a mudança.

[1] Harvey David, 1990, The Condition of Postmodernity - An Enquiry of Cultural Change, Blackwell: Oxford.

3 comentários:

carlos ruão disse...

benvindos à blogosfera.
espero que seja para continuar.

éme. disse...

Uhm...
Ainda que a estética me pareça bem fundamental para o "planeamento urbano contemporâneo" e Urgente (direi mesmo!), não sei se gosto da ideia de ter de surgir em substituição da ética mas vá... hei-de ter oportunidade de te pedir que me arrumes esta dúvida!

Quanto ao que aqui nos traz, ligar a criatividade à cidade ou, talvez, levar a cidade a atrever-se na criatividade... isso sim é-me caro e ando a ver que pedaço de gestos me vão caber nesse movimento que se gera, tão em surdina, há tanto! :)

Olha, está bem que a ideia pode ser velha e o conceito até já ser dado como ultrapassado, para mim mantém-se vivíssimo e de utilidade primeira:
...
Quero uma Cidade que seja um Lugar! sabes? assim na forma de contrariar aquilo a que Marc Augé chama os "não lugares"... pois, isso mesmo, quero que os espaços que percorro, pé ante pé ou só no domínio da imaginação, adentro das portas desta terra, sejam significativos;
quero que me sejam espaços de Ser e quero vê-los ser espaços de identificação para outros, tantos outros que por cá andam, por aí dizem que vivem e quase já se esqueceram de ver esta que teima dizer-se a "Cidade do Pensamento".
É, sem dúvida, urgente, trazer a Coimbra, a Acção.

(para já: Vamos à escrita!! É sempre um grande começo!)

éme. disse...

(a quantidade de virgulas naquela ultima frase ate me baralhou, agora que olho para ela...) brrrr....