quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Agentes culturais exigem valorização da cultura na cidade

O Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) reuniu ontem diversos produtores culturais, que debateram a relação da cidade com a cultura. Os elementos consideraram que existe oferta cultural de qualidade, mas falta uma política da autarquia na área
«Estamos aqui em defesa dos que fazem cultura em Coimbra», começou por dizer Abílio Hernandez, moderador do debate, perante um público que preencheu quase todos os lugares do TAGV. O debate subordinado ao tema “Cidade, arte e política – o valor estratégico da cultura” debateu o papel da cultura na cidade e foi organizado pelos assinantes do manifesto “Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura”, apresentado no passado mês de Janeiro.
O ex-presidente da “Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003” defendeu que existe oferta cultural na cidade, mas acusou a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) de não desenvolver uma política na área. «A autarquia tem mesmo uma política anti-cultural. Gostaríamos que a câmara estivesse aqui, mas não está, e não é fácil manter um diálogo com uma parede», acrescentou.
O professor universitário e ex-director do TAGV salientou que os agentes culturais «fazem um serviço público à sociedade, como um médico ou um padeiro». «As cidades são cada vez mais iguais e é a cultura que as distingue uma das outras», apontou.
O professor e economista José Reis foi o segundo a intervir. «A CMC ambiciona a pacatez e por isso Coimbra está a desperdiçar o potencial que tem na cultura», afirmou. O ex-secretário de Estado do Ensino Superior falou sobre a relação profunda entre metrópoles e as manifestações culturais. «Cada vez mais as actividades culturais são uma fonte de conhecimento e emprego das cidades», observou. «O papel de Coimbra no país está ameaçado, as políticas públicas são desfavoráveis e a imagem que projectamos de nós próprios e das nossas instituições não é a melhor», disse. Para o economista, «a cultura não é um problema, mas parte da solução da requalificação das cidades».
Já José António Bandeirinha, pró-reitor para a Cultura da Universidade de Coimbra, deu como referência o exemplo espanhol: «Lá, as mesmas pessoas que estão no campo de futebol e na praça de touros estão nos grandes halls culturais. Não há cultura de oposição, há oferta e as pessoas vão a tudo». «Em Coimbra a cultura tem de ser integrada na política da cidade, não pode ser vista como um lixo», explicou.
O painel de oradores foi completado pela socióloga Paula Abreu, que considerou que em Portugal as práticas culturais «estão limitadas por aquilo que é difundido pela televisão e rádio» e acusou a CMC de ter «medidas desarticuladas, sem qualquer política na cultura».
A professora universitária alertou que «as autarquias locais não podem atirar a responsabilidade para o Estado» e considerou que Portugal «está alheado e fechado ao debate cultural há muito tempo».O encontro contava inicialmente com a presença de Manuel Maria Carrilho, mas o deputado socialista e ex-ministro da Cultura esteve ausente devido a doença. António Pedro Pita, director Regional da Cultura do Centro, também esteve ausente, devido a uma reunião em Lisboa.
Debate muito participado
Os cidadãos de Coimbra (principalmente pessoas ligadas à universidade e a instituições culturais) foram sensíveis ao debate de ontem e marcaram presença em peso no Teatro Académico de Gil Vicente. As posições em torno da relação da cidade com a cultura foram diversas.
Ana Pires, ex-delegada do Ministério da Cultura em Coimbra e presidente da ProUrbe,
Apelou para «a resolução de conflitos em matéria cultural, como aqueles que envolvem espaços como o Teatro da Cerca de São Bernardo, o Centro de Artes Visuais ou o Museu de Transportes». «Queremos que os planos financeiros também sejam cumpridos pela câmara», apelou.
Claudino Ferreira, professor da Faculdade de Economia da UC, considerou que a cultura «tem um valor próprio antes de ter um valor estratégico» e concluiu que «quem lida com a cultura na cidade, como a autarquia, gosta pouco da cultura».
Já Luís Reis Torgal, professor catedrático na Faculdade de Letras, afirmou que o documento “Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura” devia ter sido «mais amplo e consensual». «Esta cidade bate-se muito pouco pela cultura. Matou-se o [cine-teatro] Sousa Bastos e o Avenida e criaram-se centros comerciais», apontou.
Luís Quintães contestou o facto de a mesa de oradores ser constituída na íntegra por professores universitários. «Dá ideia que a cultura erudita se quer impor à popular, à que vem do povo», protestou.
Durante o período de debate, Abílio Hernandez foi questionado sobre o facto de o relatório de “Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003” nunca ter sido revelado publicamente. O ex-director do evento defendeu-se, afirmando que foi entregue ao ministro da Cultura (na altura Pedro Roseta). «Não compete a mim publicar o relatório. Eu nem sei bem se o ministro de então ou se algum ministro da Cultura o leu. Nunca fui chamado a discutir o relatório e se calhar não teve importância nenhuma para ninguém», ironizou.
O Diário de Coimbra procurou entrar em contacto com o vereador da Cultura da CMC, Mário Nunes, para obter reacções às críticas feitas à autarquia durante o debate, mas tal não foi possível.
Depois do manifesto e do debate…Que futuro?
Isabel Craveiro, da direcção do Teatrão, apelou a que o manifesto “Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura” e o debate ontem realizado tivessem seguimento.«Somos responsáveis por uma política cultural e não podemos ficar à espera que a câmara o faça. Lanço o desafio para que se façam propostas concretas para uma política na área da cultura», disse. A responsável apelou à articulação entre estruturas culturais e sugeriu a formação de grupos de trabalho, onde se juntariam instituições ligadas a todo o tipo de manifestação cultural.
O moderador do debate, Abílio Hernandez, não partilhou a mesma opinião, considerando que «não se pode exigir que os agentes culturais façam uma política cultural, mas pode exigir-se à câmara que o faça».Após o encontro, Abílio Hernandez afirmou que, para já, não estão programadas mais iniciativas. «Os agentes culturais não têm que ser governantes da cultura, não queremos substituir o papel da câmara, procuramos antes que ela assuma responsabilidades», disse.

21 de fevereiro 2007
Bruno Vicente
Diário de Coimbra

Câmara de Coimbra acusada de ser um obstáculo à produção cultural na cidade


Iniciativa Amigos da Cultura 2008 juntou cerca de 400 pessoas no Teatro Académico de Gil Vicente. Concluíram que a cultura também precisa de cidadãos mobilizados.

Agentes culturais da cidade de Coimbra e os promotores da iniciativa Amigos da Cultura 2008 acusaram ontem a Câmara Municipal de Coimbra de ser um obstáculo à criação artística e de desvalorizar o papel da cultura no desenvolvimento da cidade.No colóquio Cidade, Arte e Política, que juntou cerca de 400 pessoas no Teatro Académico de Gil Vicente, Abílio Hernandez, ex-presidente da Coimbra Capital da Cultura, acusou mesmo os responsáveis autárquicos de promoverem uma política "anticultural". "Há cultura em Coimbra, apesar da câmara municipal. A câmara não só não age como entidade promotora como se assume como agente destruidor de projectos e de dinâmicas. E por isso temos o direito de protestar", afirmou.
Depois do lançamento do movimento Amigos da Cultura através de um blogue, o colóquio de ontem tinha por objectivo discutir o valor estratégico da cultura nas cidades. O ex-ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho era um dos oradores convidados, mas acabou por não marcar presença devido a "problemas de saúde", justificou Abílio Hernandez.
José Reis, economista e docente da Universidade de Coimbra, defendeu que actividades emergentes relacionadas com as indústrias criativas são "fonte de conhecimento, de riqueza e de emprego", algo que Coimbra "não tem sabido aproveitar". "E, neste campo em concreto, a câmara é uma entidade causadora de problemas. É uma entidade que não se dá bem com a contradição", afirmou.
José Reis acrescentou ainda que Coimbra sofre hoje "múltiplas ameaças" devido a "políticas públicas que lhe são hostis", mas acrescentou que os cidadãos da cidade devem também assumir-se como "parte do problema". "A imagem que projectamos da cidade e das nossas instituições não é a melhor", concluiu.Ana Pires, presidente da associação cívica Pró-Urbe, acrescentou que a cidade também não se tem mobilizado devidamente para lutar pela cultura. "Nós permitimos que acabassem os Encontros de Fotografia. E isto é um escândalo. Nós permitimos que maltratassem A Escola da Noite. E isto é um escândalo. Nós deixamos que maltratem o que a nossa cidade tem de melhor", criticou. "O vereador da Cultura é muitas vezes responsabilizado pelo estado caótico do sector, mas o principal responsável político é o presidente de câmara", declarou.Apesar de partilhar parte das críticas feitas à actuação da câmara na área da cultura, Isabel Craveiro, de O Teatrão, sugeriu que os Amigos da Cultura formulassem também propostas à autarquia para alterar a situação. "Nós também somos responsáveis pela política cultural na cidade", afirmou. No final, Abílio Hernandez não se mostrou nada confiante na possibilidade de diálogo. "Não é fácil dialogar com uma parede, com quem tem uma visão instrumental da cultura. Se há alguma forma de classificar a política cultural desta câmara, eu diria que ela se rege pela mais enciclopédica das ignorâncias", declarou.
21.02.2008, André Jegundo
Jornal Público

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Semana Cultural da UC

Imaginação dá mote para criação artística «Transformar o comum em extraordinário» e revelar «a cultura como o caminho para a felicidade» são os objectivos principais do evento, que este ano explora o mundo da imaginação enquanto abrigo de universos artísticosDe 1 a 8 de Março, Coimbra vai reunir artes plásticas, música, teatro e cinema, mas também colóquios, exposições e workshops. «Queremos que a iniciativa seja uma experiência de cruzamento entre criadores e públicos e que a universidade dê mais um passo para se mostrar à cidade», adiantou ontem o pró-reitor para a Cultura, José António Bandeirinha, na apresentação do programa da X Semana Cultural da Universidade de Coimbra (UC). Para António Bandeirinha vai ser «um desafio explorar a forma como utilizamos a imaginação e a criatividade para nos integrarmos e integramos os outros». O docente explicou que a semana cultural é sempre um evento que pretende dar dinâmica à cidade, «cruzando iniciativas internas e externas, bem como artistas nacionais e internacionais».O tema de 2008 está subordinado ao universo da imaginação como abrigo da criação cultural. Pela primeira vez o evento tem um assessor de programação. Giacomo Scalisi referiu que o importante «não é apenas programar espectáculos e convidar artistas a partilhar saberes». «É principalmente perguntar porque estamos a fazer tudo isto e qual é o nosso objectivo», explicou.
A organização está a apostar forte na participação do público e pretende que «as pessoas de Coimbra se sintam parte activa do evento». «Queremos ver as artes a entrar na cidade e a dialogar com as gentes que nela habitam», disse. Giacomo Scalisi realçou ainda que a interacção artística entre a semana cultural e Coimbra é relevante porque possibilita «momentos de troca» que levam à felicidade. «É importante porque as pessoas quando estão felizes olham o mundo de outra maneira e reparam em coisas que não viam antes». «Nós apostamos na cultura como o caminho para a felicidade», disse.«Movimentar as artes, chamar o artista de longe com a sua maneira de pensar e possibilitar um encontro entre as pessoas de Coimbra» são outros aspectos que o programador teve em conta para a criação da agenda da X Semana Cultural da UC.Programação “vasta e criativa” revela mundo do insólitoPara além do programador Giacomo Scalisi, a coreógrafa Madalena Victorino também integra a organização do evento. A responsável levantou o véu sobre as iniciativas principais que a cidade vai receber. “Caruma” reúne bailarinos e músicos, num projecto de arte comunitária que pretende colocar o público em contacto com o espaço físico que habita. As actuações têm início com sete elementos, mas o objectivo passa por alargar a participação a dezenas de pessoas do público. A iniciativa “Lembranças” combina teatro e dança e acontece nas ruas de Coimbra. «São espectáculos miniaturas onde, de repente, passa-se de uma situação da realidade para o mundo do insólito», explicou Madalena Victorino.O espectáculo musical «Auprès de ma blonde» também foi destacado na cerimónia de apresentação do programa cultural. Um percussionista e três músicos de instrumentos de sopro vão misturar música de circo e música popular com teatro e muito improviso. Segundo a organização, trata-se de «uma fanfarra de bolso cheia de momentos hilariantes, nascida na rua e alimentada por ela, aberta a tudo, que se instala para redescobrir dias de festa».Madalena Victorino vê a arte «como o caminho para a felicidade». «A arte tem a capacidade de fazer o comum ser extraordinário e, sem ser pretensiosa, é isso que queremos fazer com esta semana cultural», concluiu a coreógrafa.Para além do teatro e da música, a iniciativa desdobra-se em exposições, colóquios, debates e formações em torno do tema da imaginação artística, num programa cultural que inclui mais de 50 eventos. Reitoria e as faculdades da Universidade de Coimbra, através de professores e de núcleos de estudantes, as secções culturais da Associação Académica de Coimbra e organismos autónomos são as principais entidades projectoras da semana cultural, que conta ainda com a participação de grupos estrangeiros.
A décima edição da semana cultural inclui o dia aberto da universidade e a sessão solene comemorativa do 718.º aniversário da instituição, onde será entregue o prémio Universidade de Coimbra ao cientista José Epifânio da Franca.
Retirado do Diário de Coimbra