Criatividade é a palavra-chave a usar para a reabilitação urbana na região norte
Ricardo Luz e Carlos Martins falam do trabalho de campo a partir do qual traçaram um mapa optimista para o futuro das actividades criativas e culturais na cidade do Porto
A Há duas palavras que são "conjugadas" com especial veemência por Ricardo Luz e Carlos Martins, quando falam do potencial que as indústrias criativas têm para a revitalização do Porto e da região norte: optimismo e "empreendedorismo". Esta última, ainda não consagrada no vocabulário da língua portuguesa, começa a surgir com cada vez maior persistência nos estudos e nos relatórios de pendor económico com que empresas e instituições se propõem enfrentar a crise que a região e o país atravessam.
Ricardo Luz e Carlos Martins são dois economistas formados na Universidade do Porto, com especializações em gestão empresarial e em áreas como o desenvolvimento urbano sustentável (o primeiro, em Cranfield, Inglaterra) e em turismo cultural (o segundo, em Barcelona). São também sócios fundadores das duas empresas (Gestluz e Opium) que, com a Horwath Parsus Portugal e a Creative Consultancy do inglês Tom Fleming, elaboraram o estudo para o Desenvolvimento de Um Cluster de Indústrias Criativas na Região Norte, tornado público há duas semanas na Fundação de Serralves, uma das entidades que tomou em mãos este desígnio em resposta a um desafio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Norte.
"As indústrias criativas têm sido o ponto mais avançado da revitalização urbana em muitas cidades degradadas, principalmente da Europa do Norte, com o Reino Unido no centro destas experiências", diz Carlos Martins. Foi a essa luz que ambos os consultores convocaram a experiência de Tom Fleming, mas também de Charles Landry, autor do livro The Creative City: A Toolkit for Urban Innovator (2000) e um dos "papas" da teorização das indústrias criativas, para dirigir o levantamento de território que foi feito no Porto e no Norte durante os últimos seis meses.As conclusões desse estudo constituem um autêntico manual de acção e de optimismo. O Porto e o Norte têm todas as condições para começarem a trilhar um novo caminho e para abrir essa nova "janela de oportunidades", como agora se diz, que são toda uma série de estruturas patrimoniais e de actividades potencialmente criativas que estão disseminadas pelos principais núcleos urbanos da região, mas a que falta estabelecer "conectividade" e dar uma nova "alavancagem" (duas outras palavras novas no vocabulário deste sector de actividade)."O Tom Fleming trouxe-nos a metodologia e uma experiência de campo principalmente centrada no seu país, como em mais de 30 outros em todo o mundo ", justifica Ricardo Luz, referindo-se à reunião das três empresas portuguesas com o consórcio do britânico.
Regresso à Baixa
Tanto Ricardo Luz como Carlos Martins realçam o facto de o Porto viver actualmente uma conjuntura especialmente propícia à experimentação e à aplicação prática de algumas medidas tendentes a empreender novos caminhos. O programa de revitalização da Baixa e da zona Património Mundial actualmente em curso, nomeadamente através da acção da Porto Vivo -Sociedade de Reabilitação Urbana (para a qual têm prestado serviços) é "um campo de experiência fantástico", nota Carlos Martins. E associa-lhe o movimento de regresso das pessoas ao centro urbano, como todas as noites se pode verificar na "movida" nas ruas em volta da Avenida dos Aliados (Passos Manuel, Almada, Cândido dos Reis, Galeria de Paris, esplanada do café Piolho).
"Dizia-se que, no centro do Porto, há muitas zonas que não têm ninguém. Hoje acontece um pouco o inverso: há zonas que, durante o dia, não têm ninguém, mas à noite estão cheias. Inverteu-se o fenómeno. Há agora que reequilibrá-lo, fazendo-o perdurar ao longo das 24 horas do dia", reclama Carlos Martins.
Os dois empresários-consultores acreditam que este regresso à Baixa "é um fenómeno identitário e simbólico" e é irreversível. "Há um clic que já se verificou", nota Ricardo Luz, evocando a sua experiência de "trabalho no terreno" nos últimos quatro anos. Este fenómeno tem-se verificado nas áreas, e nas horas, do lazer (restaurantes, cafés, bares e galerias), mas falta-lhe ainda a dimensão residencial, o que só se conseguirá, diz Carlos Martins, quando for alterada "a rigidez no mercado das rendas" e quando se modificar o "ambiente social pouco simpático, marcado ainda pela mendicidade, pelo consumo de droga e pelos problemas sociais" que aí existem.
"Mas, em qualquer cidade, as partes mais degradadas sempre foram ocupadas primeiro pelos artistas; depois é que vêm as outras camadas, até à classe média alta", assinala o empresário da Opium.
Um mapa criativo
As indústrias criativas têm sido o ponto estratégico para a revitalização urbana. E o levantamento que os autores fizeram no centro urbano portuense identifica uma grande quantidade (269) e diversidade de núcleos de actividades criativas, entre os espaços comerciais, culturais e de lazer nocturnos, mas também estabelecimentos de ensino artístico e organizações culturais. O mais curioso do mapa portuense destas actividades criativas é ele denotar uma distribuição bastante equilibrada por toda a trama do centro da cidade, desde a Sé a Cedofeita, de Miguel Bombarda a Santo Ildefonso - mas é também sem surpresa que a maior densidade se encontra na zona das galerias de arte (Miguel Bombarda/Palácio de Cristal) e nas ruas a poente dos Aliados.Martins e Luz encontraram aqui alguns sinais de "clusterização" (outra palavra nova). E por razões práticas óbvias: um arquitecto procura estabelecer o seu atelier numa zona onde haja também maquetistas e designers, porque precisam uns dos outros."Falta ainda massa crítica, de clientes e de criadores, mas os elementos existem aí, e é por isso que vale a pena trabalhar sobre eles", acreditam os autores do estudo, que vêem com bons olhos a decisão da CCDR de criar uma agência e de lançar um concurso público aos dinheiros comunitários para ajudar a desenvolver esta potencialidade.
269 núcleos de actividades criativas foram identificadas pelos autores do estudo dentro do perímetro do centro urbano do Porto
1,4 por cento (equivalentes a 6358 milhões de euros) é o peso no PIB português das indústrias criativas, em 2003. Na União Europeia, esse peso é de 2,6 por cento (654 mil milhões de euros), empregando 5,8 milhões de pessoas
30 por cento das pessoas nas indústrias criativas em Portugal são licenciadas
Ricardo Luz e Carlos Martins falam do trabalho de campo a partir do qual traçaram um mapa optimista para o futuro das actividades criativas e culturais na cidade do Porto
A Há duas palavras que são "conjugadas" com especial veemência por Ricardo Luz e Carlos Martins, quando falam do potencial que as indústrias criativas têm para a revitalização do Porto e da região norte: optimismo e "empreendedorismo". Esta última, ainda não consagrada no vocabulário da língua portuguesa, começa a surgir com cada vez maior persistência nos estudos e nos relatórios de pendor económico com que empresas e instituições se propõem enfrentar a crise que a região e o país atravessam.
Ricardo Luz e Carlos Martins são dois economistas formados na Universidade do Porto, com especializações em gestão empresarial e em áreas como o desenvolvimento urbano sustentável (o primeiro, em Cranfield, Inglaterra) e em turismo cultural (o segundo, em Barcelona). São também sócios fundadores das duas empresas (Gestluz e Opium) que, com a Horwath Parsus Portugal e a Creative Consultancy do inglês Tom Fleming, elaboraram o estudo para o Desenvolvimento de Um Cluster de Indústrias Criativas na Região Norte, tornado público há duas semanas na Fundação de Serralves, uma das entidades que tomou em mãos este desígnio em resposta a um desafio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Norte.
"As indústrias criativas têm sido o ponto mais avançado da revitalização urbana em muitas cidades degradadas, principalmente da Europa do Norte, com o Reino Unido no centro destas experiências", diz Carlos Martins. Foi a essa luz que ambos os consultores convocaram a experiência de Tom Fleming, mas também de Charles Landry, autor do livro The Creative City: A Toolkit for Urban Innovator (2000) e um dos "papas" da teorização das indústrias criativas, para dirigir o levantamento de território que foi feito no Porto e no Norte durante os últimos seis meses.As conclusões desse estudo constituem um autêntico manual de acção e de optimismo. O Porto e o Norte têm todas as condições para começarem a trilhar um novo caminho e para abrir essa nova "janela de oportunidades", como agora se diz, que são toda uma série de estruturas patrimoniais e de actividades potencialmente criativas que estão disseminadas pelos principais núcleos urbanos da região, mas a que falta estabelecer "conectividade" e dar uma nova "alavancagem" (duas outras palavras novas no vocabulário deste sector de actividade)."O Tom Fleming trouxe-nos a metodologia e uma experiência de campo principalmente centrada no seu país, como em mais de 30 outros em todo o mundo ", justifica Ricardo Luz, referindo-se à reunião das três empresas portuguesas com o consórcio do britânico.
Regresso à Baixa
Tanto Ricardo Luz como Carlos Martins realçam o facto de o Porto viver actualmente uma conjuntura especialmente propícia à experimentação e à aplicação prática de algumas medidas tendentes a empreender novos caminhos. O programa de revitalização da Baixa e da zona Património Mundial actualmente em curso, nomeadamente através da acção da Porto Vivo -Sociedade de Reabilitação Urbana (para a qual têm prestado serviços) é "um campo de experiência fantástico", nota Carlos Martins. E associa-lhe o movimento de regresso das pessoas ao centro urbano, como todas as noites se pode verificar na "movida" nas ruas em volta da Avenida dos Aliados (Passos Manuel, Almada, Cândido dos Reis, Galeria de Paris, esplanada do café Piolho).
"Dizia-se que, no centro do Porto, há muitas zonas que não têm ninguém. Hoje acontece um pouco o inverso: há zonas que, durante o dia, não têm ninguém, mas à noite estão cheias. Inverteu-se o fenómeno. Há agora que reequilibrá-lo, fazendo-o perdurar ao longo das 24 horas do dia", reclama Carlos Martins.
Os dois empresários-consultores acreditam que este regresso à Baixa "é um fenómeno identitário e simbólico" e é irreversível. "Há um clic que já se verificou", nota Ricardo Luz, evocando a sua experiência de "trabalho no terreno" nos últimos quatro anos. Este fenómeno tem-se verificado nas áreas, e nas horas, do lazer (restaurantes, cafés, bares e galerias), mas falta-lhe ainda a dimensão residencial, o que só se conseguirá, diz Carlos Martins, quando for alterada "a rigidez no mercado das rendas" e quando se modificar o "ambiente social pouco simpático, marcado ainda pela mendicidade, pelo consumo de droga e pelos problemas sociais" que aí existem.
"Mas, em qualquer cidade, as partes mais degradadas sempre foram ocupadas primeiro pelos artistas; depois é que vêm as outras camadas, até à classe média alta", assinala o empresário da Opium.
Um mapa criativo
As indústrias criativas têm sido o ponto estratégico para a revitalização urbana. E o levantamento que os autores fizeram no centro urbano portuense identifica uma grande quantidade (269) e diversidade de núcleos de actividades criativas, entre os espaços comerciais, culturais e de lazer nocturnos, mas também estabelecimentos de ensino artístico e organizações culturais. O mais curioso do mapa portuense destas actividades criativas é ele denotar uma distribuição bastante equilibrada por toda a trama do centro da cidade, desde a Sé a Cedofeita, de Miguel Bombarda a Santo Ildefonso - mas é também sem surpresa que a maior densidade se encontra na zona das galerias de arte (Miguel Bombarda/Palácio de Cristal) e nas ruas a poente dos Aliados.Martins e Luz encontraram aqui alguns sinais de "clusterização" (outra palavra nova). E por razões práticas óbvias: um arquitecto procura estabelecer o seu atelier numa zona onde haja também maquetistas e designers, porque precisam uns dos outros."Falta ainda massa crítica, de clientes e de criadores, mas os elementos existem aí, e é por isso que vale a pena trabalhar sobre eles", acreditam os autores do estudo, que vêem com bons olhos a decisão da CCDR de criar uma agência e de lançar um concurso público aos dinheiros comunitários para ajudar a desenvolver esta potencialidade.
269 núcleos de actividades criativas foram identificadas pelos autores do estudo dentro do perímetro do centro urbano do Porto
1,4 por cento (equivalentes a 6358 milhões de euros) é o peso no PIB português das indústrias criativas, em 2003. Na União Europeia, esse peso é de 2,6 por cento (654 mil milhões de euros), empregando 5,8 milhões de pessoas
30 por cento das pessoas nas indústrias criativas em Portugal são licenciadas
Jornal Público 16.08.2008, Sérgio C. Andrade